sábado, 25 de janeiro de 2014

Como não avançamos a tendência é para cristalizar


Em pleno seculo XXI, a prevenção das drogas em Portugal ainda é um mito.
Você considera que a nossa cultura reforça a prevenção das dependências? Na minha opinião, a resposta não é fácil, mas creio haver necessidade de uma revolução, porque as dependências de substâncias psicoactivas licítas, do Sistema Nervoso Central, incluindo o álcool e as ilícitas, são uma epidemia e representam um problema de saúde pública com custos elevadíssimos. Caso não se tomem as devidas precauções a tendência é para se agravarem visto negarmos esta realidade. E enquanto for negada vai assumindo proporções epidémicas. Só para se ter uma ideia, o álcool é a droga mais perigosa, comparativamente a todos as outras,por ser ser aceite socialmente.

Segundo Edward B. Tylor cultura é «Aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade.» A sociedade somos nós.

O fenómeno tende a alastrar-se
Desde o princípio dos anos 80, após a revolução do 25 de Abril de 1974, não existe uma política que contemple um plano de prevenção das dependências direccionado para os jovens, pais e escolas. Não existe uma cultura de investigadores, de educadores, de instituições e profissionais e de pais que assumam um compromisso sobre a prevenção. Outra situação idêntica, educação sexual inexistente nas escolas. Se o ser humano pratica sexo há milhares de anos, qual é o problema abordar o tema abertamente? São os mitos? Os preconceitos? Ou outra razão que eu desconheça? O mesmo acontece com o álcool e outras drogas. Se o ser humano sempre consumiu drogas, desde os primórdios da humanidade, qual é o problema em abordar o tema abertamente?

Se o ser humano sempre consumiu drogas, a partir dos anos 60, este fenómeno assumiu proporções epidémicas em todo o mundo. O mundo das drogas (produção, trafico, consumo e a dependência) é complexo, mas também precisamos de admitir que o contexto social tem sido terreno fértil para a sua propagação. Existe uma cultura (moda) que procura sensações fortes de prazer e bem-estar a fim de descomprimir das tensões, do tédio e que visa acabar com o sofrimento através de drogas, incluindo a auto medicação, substâncias sujeitas a prescrição medica (por exemplo, os ansiolíticos). Existem drogas diferentes para todos os tipos de preferências, tendências, contextos e estatuto sociais, a procura supera a oferta; estão criadas as condições para um negócio lucrativo. O tráfico, o consumo ocasional, o abuso e a dependência são uma indústria com lucros muito significativos. Estima-se em 160 mil milhões de dólares, oriundos do narcotráfico, anualmente, lavados na banca internacional. O negócio global de muitos milhões de dólares, dinheiro sujo das drogas, é constituído por um sem número de parceiros, interesses e «fiéis» colaboradores que ajudam a sustentar a economia global. É um círculo vicioso.

A prevenção das dependências de drogas, incluindo o álcool, começa no berço.  
Em Portugal, a prevenção das drogas nunca foi uma prioridade para os decisores políticos, apesar de os candidatos às eleições visitarem instituições, para pessoas com problemas com drogas, somente para angariarem votos e fazerem promessas que depois não cumprem. Por exemplo em relação às drogas ilícitas, os líderes políticos centram o combate no tráfico, recorrendo às forças policiais. Esta estratégia não visa a prevenção, e está provado que não surte efeito. Prende-se um traficante, imediatamente este é substituído por mais dois ou três. Alguns países da Ásia, ainda aplicam a pena de morte aos traficantes, mesmo assim, este tipo de leis não conseguem erradicar o tráfico de drogas naqueles países. 

Como referência de mudança de mentalidades e cultura, após o 25 de Abril de 1974 e o boom das drogas ilícitas (por exemplo, refiro-me ao canábis, à heroína e à cocaína), passados 40 anos, actualmente algumas pessoas ainda consideram «os drogados» uns criminosos e marginais que deviam ir presos. As prisões não tratam as dependências. Alguns pais ainda adoptam a estratégia de prevenção, em relação aos filhos adolescentes, afirmando «Se tocas em drogas, esquece que sou teu pai», as ameaças ou a agressividade nunca funcionaram, muito menos nos dia de hoje, enquanto outros pais, creio serem em maioria, optarem pelo silêncio. Desde 1974 até 2014 quais são as diferenças culturais que contemplam a prevenção das dependências? Ao longo dos últimos 40 anos quais foram as lições que aprendemos sobre a prevenção das dependências? Desde os anos 80, e após os avanços tecnológicos nos anos 90, continuamos a ter pânico que os nossos filhos se tornem dependentes de drogas e ou álcool, como se fosse um vírus, mas na realidade, pouco fazemos para mudar esse cenário assustador. Negamos as evidências, com a agravante de ainda acreditarmos que esse tipo de problema só acontece aos outros. Paradoxalmente, recordo conversas com pais, políticos, professores, médicos, onde o tema central é a prevenção, e todos são unânimes “ É urgente fazer qualquer coisa.” Falta passar das palavras aos actos. O estigma, a negação e a vergonha relacionado com as drogas interferem na prevenção das dependências. Isto é, sabemos que o problema subsiste, mas negamos os factos.

Actualmente, relativamente à educação dos filhos, uma grande parte dos pais tem sentimentos de culpa, porque considera que falharam em algo. Surpreendentemente, o sentimento de culpa já existia antes mesmo de ser pai ou mãe, já existia na família, na educação, no emprego ou carreira profissional. Delegamos à escola e à sociedade, essa tarefa complexa da educação, porque como pais, não possuímos disponibilidade para o fazer. Quando alguma coisa corre mal, imediatamente apontamos o dedo e arranjamos um culpado. Não iremos resolver as questões mais complexas encobrindo aquilo que realmente precisa de ser feito procurando culpados. Oiço muitos pais afirmarem “ Ser pai/mãe é difícil. Não existe um livro que nos ensine a educar os nossos filhos.» Eu acrescento, se existisse o tal livro, não tínhamos tempo para ler. Andamos numa correria, sem ter um propósito concreto. Como pais ansiamos que a educação que incutimos nos nossos filhos resulte. Paralelamente, também ambicionamos ideais de grandeza e sucesso para eles, mas por outro lado, como educadores sobrevivemos como podemos a acontecimentos que colocam em risco a segurança e a pertença (amor). Existe um sentimento geral de impotência perante o poder económico, a crise financeira e social (injustiça, as desigualdades, o desemprego, a precariedade). Será honesto e legitimo ambicionar ideais de grandeza e sucesso, para os nossos filhos, quando na realidade, como pais sentimo-nos culpados e impotentes perante a sociedade consumista e hedonista? Perante a sociedade, queremos ser mais inteligentes, mas não somos. Queremos ser mais ricos, mas não somos. Queremos ser mais felizes, mas não somos. Queremos um futuro para os nossos filhos, mas não sabemos como orienta-los - qualquer coisa que possamos fazer, nunca chega e nunca é suficiente, é preciso mais e mais.

É do conhecimento geral, e reforçado pelos estudos, que a pré-adolescência é o período critico em que os jovens iniciam as suas primeiras experiências com as drogas; primeiro com o tabaco, depois o álcool, de seguida, outras drogas ilícitas. Sabendo deste fenómeno e os custos elevados, quais são as estratégias de prevenção adoptadas para o período pré-adolescência/infância? Quais são as estratégias de prevenção do binge drinking, beber álcool cujo intuito é a intoxicação/embriaguez? Do tabaco? Do consumo das drogas ilícitas? Da condução sob o efeito do álcool? Da gravidez indesejada? Do suicídio? Da transmissão de doenças sexualmente transmissíveis?
   
Alguns dados
  • Outro fenómeno preocupante são as novas drogas legais. Sabia que até Abril 2013 foram identificadas 105 novas drogas legais. O consumo de droga, incluindo o álcool, é uma das principais causas de morte entre os jovens na Europa, refere o Relatório Europeu sobre Drogas 2013, divulgado em Lisboa pela agência europeia de informação sobre este problema (EMCDDA).
  • Em Junho de 2011 a Comissão Global de Política de Drogas afirmou: "A guerra global contra as drogas falhou, com consequências devastadoras para indivíduos e sociedades pelo mundo. Cinquenta anos após o início da Convenção de Narcóticos da ONU, e anos depois do presidente Nixon ter lançado a guerra contra as drogas, reformas fundamentais no controlo global de drogas a nível nacional e internacional são urgentemente necessárias"
  • A indústria do álcool, através do recurso a técnicas agressivas de marketing,  da comunicação social e dos lóbis insistem em associar o consumo de bebidas alcoólicas e o desporto. Por exemplo, colando marcas de bebidas alcoólicas à selecção portuguesa de futebol e à Liga de Futebol. Na minha opinião, é inadmissível e são incompatíveis; não colam. O desporto e as drogas não são compatíveis. O álcool é uma droga lícita, tal como o tabaco. Esta situação só é possível graças aos milhares de euros, aos lobis e outros interesses. Causa-me consternação, agravada com a conivência das autoridades, existirem empresas e pessoas, membros de família e com filhos, que dedicam horas, dias e meses do seu trabalho a elaborar estratégias (marketing  agressivo) que visam o consumo de álcool direccionado para os jovens.
  • Segundo um inquérito aos alunos da Universidade de Lisboa (UL), resultado de uma parceria entre a UL, o Conselho Nacional de Juventude e o Serviço de Intervenção em Comportamentos Adctivos, afirma que 40% dos alunos do Superior já experimentaram drogas. Canábis lidera os consumos, seguido pelas smart drugs, anfetaminas e cocaína. 36,2% dos jovens que bebem álcool fizeram-no pela primeira vez antes dos 15 anos.
  • 01/12/2013 Reportagem no Jornal de Noticias: “100 mil pessoas na rua naquela que é a noite mais longa em Guimarães. Recorde álcool no pinheiro Nicolino. (…) O que não se esperava é que os Bombeiros de Guimarães tiveram tanto trabalho no transporte de nicolinos alcoolizados. Foram 26 internamentos por princípio de coma alcoólico ou mesmo efectivado. O maior numero de sempre, sendo que no ano passado foram 17.”
  • O Epiteen estudo realizado, pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, ao longo da última década, a quase três mil jovens, todos nascidos em 1990 e alunos nas escolas públicas e privadas do Porto, que avaliou os participantes aos 13, aos 17 e aos 21 anos revela relação de violência na adolescência com agressões mais tarde. 77% dos jovens afirmaram experimentar drogas por curiosidade. Canábis lidera os consumos, seguido pelo álcool e tranquilizantes. Segundo os jovens (24%) a escola é o local onde é possível obter o canábis.
  • Anúncios entre programas de televisão infantis. Segundo o Conselho Económico e Social Europeu defende a erradicação total da publicidade nos intervalos de programas infantis, de forma a evitar outros efeitos, o aumento do «bullying de marca».
  • Notícia do Jornal de Noticias: «Filhos dos pobres não conseguem fugir da pobreza. Portugal é dos países onde é mais difícil quebrar ciclos de pobreza entre gerações muito por causa da imobilidade educativa: pais pouco instruídos têm, sobretudo, filhos também pouco instruídos. Situação educativa e económica das famílias é determinante para o futuro dos filhos.»
  • «A pobreza é como que hereditária” Eurostat, dados de 2011.
  • Segundo dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, registou 261 mortos, entre a população jovem, com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos de 2010 a 2012. O álcool está associado à mortalidade rodoviária entre os jovens.
  • De acordo com um testemunho de um jovem de 24 anos, acerca da condução sobre o efeito do álcool afirmou: «É normal, já estou habituado.»
  • As campanhas de sensibilização sobre os perigos da condução sobre o efeito do álcool não são suficientes. O objectivo das campanhas estão direccionadas para o comportamento do individuo, visando desresponsabilizar, os decisores políticos e a indústria do álcool. Quantas mortes são necessárias para inverter esta politica de negação? 

Já diz o ditado popular «Mais vale prevenir do que remediar» e na prevenção das dependências urge uma revolução.