«O abuso de
drogas , por parte dos adolescentes, precisa de ser compreendido no contexto do
próprio desenvolvimento dos jovens. A
compreensão do abuso de drogas, pelos adolescentes exige uma abordagem
multidimensional; biológica, psicológica, social e espiritual.
De acordo
com abordagem multidimensional, o
desenvolvimento da adolescência consiste num período de vida repleto de
mudanças dramáticas e transições. A diferença entre adultos e os adolescentes,
é que os jovens, durante este período de tempo encontram-se num processo de
transições, estando assim, mais expostos aos riscos, perigos do abuso das drogas
e consequências negativas, a longo prazo.
A adolescência é um período de
transição e caos de acordo com a seguinte lista de comportamentos observados
nos jovens:
- Os adolescentes estão num processo de mudança: da dependência para a independência.
- Exploram a sua identidade e o autoconceito.
- As suas experiências intrapessoais (sentimentos, desejos, valores, necessidades) refletem-se nos seus relacionamentos interpessoais.
- É considerado normal, afastarem-se dos pais e procurar a companhia dos pares.
- O processo biológico envolve o afastamento dos pais.
- O objetivo deste processo biológico é a autonomia e a vida adulta.
Porque é que
os “bons rapazes” envolvem-se em “comportamentos errados”? Existem pelo menos
duas respostas. 1) A resposta é simples, na maioria dos casos, os
“comportamentos errados” não produzem sensações negativas. 2) A resposta
representa um significado diferente para o adolescente: Qual é o risco de consumires
drogas? Para os pais, tudo aquilo que represente um potencial risco ou perigo
para os seus filhos, está incluído na lista das coisas “más” e “erradas”. Para
os adolescentes, em pleno processo de transição, que procuram integrar-se,
explorar a sexualidade, experimentar identidades, curiosidade em estilos
diferentes de vida e procurar o afastamento dos pais, os “comportamentos
errados”, segundo os pais, são
considerados uma ajuda que pode facilitar o processo de mudança caótico e
dramático. Tal como acontece na sociedade, certas normas e regras determinam o
comportamento permitido e lícito versus o comportamento errado e ilícito.
Processo da dependência – a introdução à “pedrada”; o individuo estar sob o efeito das substâncias psicoativas.
Os objetivos
de um adolescente com baixa autoestima, a que vamos chamar Pedro (nome
fictício), deslocar-se a uma discoteca são; parecer “cool” e divertir-se com os
seus amigos. Considerando este cenário, como ponto de partida, a dada altura na
discoteca, um dos amigos do Pedro, acende um charro, dá umas passas e depois
passa ao Pedro que faz o mesmo e passa a outro. Após a primeira experiência ao
dar umas passas num charro, o Pedro sente-se diferente e desinibido. Fumar canábis
pode atenuar ou neutralizar a ansiedade. Sob o efeito da substância o jovem
sente-se desinibido e ligado (identificado) aos seus pares. Tal como já foi
referido anteriormente, identificar-se com os seus amigos é um dos fatores
críticos do desenvolvimento da adolescência, assim sendo, se os amigos do Pedro
consomem drogas o efeito da identificação (pertença ao grupo) é reforçado. O
Pedro, pensa, “Afinal fumar canábis não é assim tão perigoso, como os meus pais
afirmam…”. Esta reflexão do Pedro poderá ser o fio condutor que o conduza às
próximas experiências com drogas, surte um efeito semelhante, durante os
primeiros dias de um envolvimento romântico apaixonado. No fim de semana
seguinte, o Pedro vai a outra festa, mas ninguém o convida para consumir
canábis, o jovem identifica um tipo diferente de sensações, enquanto na festa
anterior não sente ansiedade, nesta festa, fica com uma sensação desconfortável
e com a sensação de que toda a gente presente na festa, está ciente das suas
inseguranças e defeitos (centro das atenções). Esta constatação é acrescida
pelo seguinte raciocínio, pelo Pedro: “Se eu fumar canábis, sinto-me seguro e na
boa, mas se não fumar, sinto-me desconfortável…”
Nesta fase
do processo, em contextos sociais, pode ter havido uma mudança significativa na
perceção do Pedro; a procura do efeito desinibidor da canábis. Tudo isto não
acontece de um dia para o outro, é um processo e não se resume a somente a um
único evento. Tal como acontece com o tabaco, o objetivo dos jovens quando
começam a fumar não é desenvolver um enfisema pulmonar ou cancro. Ficar
pedrado, não se resume a um processo cognitivo, é um experiencia que envolve
todo o ser que prevê todo um conjunto de benefícios, tais como, ter amigos
diferentes, desenvolver um tipo de linguagem secreta/código, novas sensações,
novos conhecimentos e o consumo de canábis pode revelar-se mais recompensador
para o desenvolvimento do jovem adolescente. Agora, o Pedro pertence a uma
cultura com mentalidades diferentes e aparentemente foi aceite no seio dos seus
pares.
Conhecer o efeito da canábis – “A
pedrada”
Nesta fase
do processo, o Pedro passa uma parte considerável do tempo a refletir nestas experiências,
sensações e efeitos. Está a tentar compreender e a adquirir conhecimento do
significado de “estar pedrado”, o que na prática, pode consistir em; como é que
pode adquirir o produto, consumir, gerir o efeito da “pedrada” e esconder o
consumo de drogas. Todas estas atividades envolvem um tipo de doutrina
subjacente a este tipo de cultura. Na perspetiva do desenvolvimento do adolescente,
podemos equacionar e comparar esta subcultura à autonomia dos pais, uma nova
identidade e a pertença a um grupo de pares. Para quem não percebe nada do
assunto, todas estas atividades, exigem energia, compromisso, esforço e
segredos. Os adolescentes, não estão neurofisiologicamente preparados para
identificar e reconhecer os efeitos negativos do consumo de drogas,
principalmente a longo prazo. Consequentemente, todos os adolescentes,
envolvidos neste tipo de subcultura, desconhecem os riscos e os perigos. Tal como
o Pedro, os amigos que consomem drogas, não estão informados sobre a acumulação
sinérgica (efeitos a longo prazo) dos e efeitos negativos do consumo de drogas.
Com o tempo, o consumo frequente aumenta o potencial perigo, enquanto por outro
lado, a compreensão do adolescente sobre o fenómeno diminui. Enquanto mecanismo
de defesa (pensamento distorcido) a compreensão e a perceção do problema diminuem, enquanto o
perigo sobre o abuso aumenta, sem a existência da perceção necessária para
tomar medidas saudáveis por parte do adolescente. O processo da dependência
ocorre a níveis inconscientes e encobertos.
A próxima
fase do processo ocorre quando o jovem sente as primeiras consequências
negativas do consumo de drogas. Ao contrario do que acontece no período de
experimentação de drogas, as consequências negativas ocorrem quando existe uma
mudança de atitudes e comportamentos, que o colocam “oficialmente” no clube dos
dependentes em risco. Nesta fase, quando o jovem é confrontado com as
consequências negativas, tem somente duas hipóteses; 1) desviar-se deste
caminho ou 2) continuar o consumo, até ao abuso e a dependência. A opção número
dois é percecionada, erradamente, pelo adolescente, como uma forma de
neutralizar e negar as consequências negativas.
É admitido o consumo de drogas
Nesta fase,
as pessoas, incluindo os familiares e colegas que não estão envolvidos no
consumo de drogas, começam a identificar alguns sinais ou sintomas relacionados
com o consumo de drogas. Nesta altura do processo, o Pedro está a afastar-se da
“vida normal” e a desenvolver uma dependência. Na maioria dos casos, este
afastamento do adolescente, é enganador e gera alguma confusão entre os pais ou
professores porque do ponto de vista do desenvolvimento, pode ser confundido
com a autonomia dos pais e com o relacionar-se com os seus pares – “coisas da adolescência”.
Normalmente,
é permitido aos adolescentes, uma maior autonomia e liberdade quando
desenvolvem a sua independência, nestes casos de risco/abuso de drogas,
revela-se confuso e difícil distinguir entre o “normal” desenvolvimento
(cansaço, irritação, mau humor, segredos) e o comportamento adictivo
(dependência de drogas).
Os
adolescentes, durante o período do desenvolvimento, são constantemente
bombardeados com mensagens contraditórias, próprias da cultura, por exemplo, em
relação ao álcool. Os próprios adolescentes, encaram o consumo e abuso de
bebidas alcoólicas, por parte dos adultos, como algo legitimo e fazendo parte
do ritual de passagem para a idade adulta.
O reconhecimento da dependência é um processo,
não um único evento
Na maioria dos
casos, para os pais identificar o filho/a como um dependente de drogas é um
processo que ocorre durante algum tempo. Muitas vezes, este processo de
identificação do filho com o abuso ou dependência de drogas é dificultado, por
exemplo, devido à falta de informação sobre os sinais e sintomas do abuso e
dependência de drogas, sentimentos de culpa e responsabilidade. Por parte dos
pais, admitir que o filho/a é dependente de drogas pode desencadear sentimentos
de medo, raiva e confusão e este processo de admissão da dependência inicia-se
quando as consequências do abuso de drogas se revelam demasiado evidentes, de
tal forma que é impossível ser negado.
Considere o
seguinte exemplo. Finalmente, depois de tanto tempo, o progenitor assumiu a consciência
do problema, permitiu que o filho tivesse abusado de drogas, assim como, passar
pelas consequências negativas. O oposto a esta situação, nesta altura, um bom
exemplo de parentalidade é decidir, a qualquer custo salvar o filho. A maioria
dos pais, não possuem as competências necessárias a fim de abordarem a
dependência de drogas e recorrem a instituições de tratamento, que na maioria
dos casos não possuem as competências necessárias para abordar a dependência na
adolescência.
Focar no processo em vez de no
conteúdo
O objetivo
consiste na mudança de dinâmica por parte dos pais do jovem. Os detalhes não
são importantes para o reconhecimento do problema. É mais eficaz focar-se nas
preocupações em vez de dissecar o problema; quem, o quê, quando, onde e porquê.
Na fase do reconhecimento do problema, os pais exageram nos detalhes. Exagerar nos detalhes poderá revelar-se
enganador quanto à identificação e reconhecimento da realidade (processo) da
dependência de drogas.
A dependência na adolescência no
próprio contexto/sistema familiar
Muitas
vezes, inconscientemente, para o adolescente, sente que é o causador dos
problemas no contexto familiar. No seio do contexto familiar, os seus
comportamentos disfuncionais são encobertos, mas são apresentados ao exterior
como a causa da disfunção familiar. A dependência de drogas é capaz de gerar
ansiedade generalizada, no contexto familiar, responsável por produzir
conflitos nas relações interpessoais entre familiares. Se o adolescente está
doente, a própria família também irá manifestar os sintomas da doença.
Tipicamente, o conflito familiar é um sintoma de que cada membro da família
está a sofrer as consequências negativas; isto é, cada membro da família irá
contribuir para o problema familiar. Segundo esta desarticulação, vulgo co
dependência, é a consequência da família tentar controlar o problema, em vez de
cada um lidar com os seus próprios sentimentos. É fundamental que os
progenitores separem os seus próprios sentimentos, crenças e ideias das do
adolescente. De acordo com a minha experiência, aquilo que um progenitor
precisa de fazer, nestas situações caóticas afim de ajudar o adolescente, é em
primeiro lugar procurar ajuda para si próprio.
Aquelas
pessoas que se sentem descontroladas, para o exterior, aparentam estar
controladas.»
Comentário: Nos casos que acompanho, os pais
apresentam dois tipos de reações, perante o conhecimento dos consumos de
canábis dos seus filhos. 1) Pavor e impotência ou 2) benévolos e compreensivos.
Como existem muitas “teorias” e mitos sobre o consumo de canábis, cada um tem a
sua, os pais reagem de várias maneiras. Todavia, uma coisa é referirmo-nos ao
consumo de canábis ocasional, num contexto social e divertimento, outra coisa é
o consumo excessivo (abuso) ou dependência no contexto familiar e social.
Felizmente, a maioria dos jovens que consome canábis não abusa ou fica
dependente, escolhe outro caminho, outro rumo diferente, mas existe um grupo de
adolescentes, mais vulneráveis, que abusa e fica dependente, cujas
consequências negativas manifestam-se no seu desenvolvimento; competências
individuais e sociais. Como o processo da adolescência é complexo, revela-se
uma tarefa difícil, identificar ou diagnosticar os sintomas do abuso e da
dependência.
Gostaria de
salientar, um tema abordado pelos autores, que são as consequências negativas,
na estrutura e dinâmicas familiares, quando o adolescente é dependente. Nestes
casos, a família precisa de se manter coesa e informada a fim de evitar o caos,
consequência da dependência da canábis. Caso você identifique sinais ou
sintomas que sejam suspeitos, mantenha-se atento: alteração brusca de rotinas e
hábitos, fraco aproveitamento escolar, “esconde” os amigos, isola-se da
família, agressividade, gasta rapidamente a semanada, cheiro estranho no
quarto, pequenos furtos ou mentiras peça ajuda profissional, para a família.
Não permita que a vergonha e a negação o impeçam de abordar o tema com profissionais.
Quanto mais
depressa se identificar um problema de abuso ou dependência maiores são as
possibilidades de o tratamento surtir efeito.
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