Quando uma criança nasce é uma fonte de potencial. Uma criança é potencialidade. De forma a manifestar-se e assim explorado, esse potencial encontra-se em grande medida nas mãos do adulto. Todo o potencial da criança é desenvolvido através de relações sociais e a relação mais predominante nos seus primeiros anos de vida, é em regra geral, a relação mãe/fiho(a). A criança chega ao mundo com uma potencialidade genética que foi herdada ao longo de milhões de anos de evolução de vida neste planeta, e em geral, os nossos genes são os agentes dessa potencialidade. Os genes estão no núcleo das nossas células, nos nossos cromossomas, e ditam aquilo que Pode ser feito - só há uma coisa em que os genes não ditam - Como vai ser feito. Essa característica vai em grande parte ser ditada pela relação entre mãe/ filho e como se interligam as ligações celulares nos campos afectivos emocionais no cérebro.
Quando o bebe nasce, de
acordo com as fases de desenvolvimento proposta pela psiquiatra infantil
Margareth Mahler, o bebé entra na Fase Autista. Prolonga-se, sensivelmente ate
aos primeiros 4 meses de vida. O bebé está imerso com a mãe, não existe uma noção
de separação de ‘objectos’. Em termos psicanalíticos, o termo objecto significa
‘pessoas’ (Object Relations).
Portanto, não existe diferenciação
de objectos - para o bebé - a mãe é uma parte de si mesmo, de forma a obter a
gratificação de todos os requisitos físicos e psicológicos, assim que necessita
de obter essa mesma gratificação. É extremamente importante que a mãe (The Tigress Mother), esteja sempre em
sintonia com o bebé e num constante estado de alerta de forma a satisfazer as
necessidades do bebé. Num prisma neurológico, é uma fase muito sensível – a partir
do ultimo trimestre até ao segundo ano de vida.
Os genes continuam a
formar o seu campo de acção, por exemplo, são bastante influenciados por neuroquímicos
tais como Cortisol (hormona do stress) que em demasia pode danificar
substancialmente a forma como as células cerebrais se vão desenvolver e
conectar. Portanto, o potencial genético existe, assim como a potencialidade
das células cerebrais, todavia a característica específica de cada indivíduo será
formada e ditada pela qualidade de relações sociais. A relação entre mãe e o
bebé, é uma relação psico-biológica que é influenciada por ambos os agentes (mãe/filho).
Voltando à Fase Autista
do bebé, a função da mãe é proporcionar um apoio onde permite que este consiga
auto-regularizar e formar a sua auto- estima. Este período de vida é designado
de ‘Narcisista Primário’ (Sigmund Freud). O bebé só está interessado em ter os
seus desejos e necessidades imediatamente satisfeitas. Não existe uma noção de
identidades diferentes entre a mãe e filho, pois o ego do bebé ainda não
adquiriu uma noção de “entidade própria e autónoma” em relação à mãe.
Não se esqueça que o ser
humano nasce prematuro. Há milhões de anos, quando começamos a andar (bípedes),
o período de gestação nas mulheres foi sofrendo transformações. Pensa-se que a
dada altura da evolução humana, o período de gestação tenha sido de 1 ano e
seis meses a 2 anos. A partir da altura que o bebé nasceu, aos nove meses, o
seu cérebro não está completamente desenvolvido (nas ligações orbital frontal córtex
e no lobo temporal - área das emoções).
Sensivelmente a partir do
4º mês de vida, a segunda Fase do Desenvolvimento (Sub- dividida em 4 Sub-Fases)
começa a constelar-se - Fase ‘Simbiótica’. A primeira Sub-Fase da Fase Simbiótica
é a Fase da Diferenciação.
Na Fase da Diferenciação,
o ego e a personalidade emergente do bebé começam a identificar-se. Surge uma noção
de separação física e psicológica entre sujeito (bebé) e o objecto (mãe). Este
é o nascimento psicológico da criança. Utiliza outros recursos externos (ex.
brinquedos) de forma a satisfazer a sua própria gratificação e é menos
dependente da mãe para se auto recompensar.
De seguida surge a 2ª Sub-
Fase do período Simbiótico, designado de ‘Practising’ (Oito meses, sensivelmente
até aos quinze meses de vida). Esta é uma fase muito importante na vida
emocional da criança. É neste período que a criança consegue utilizar as suas próprias
pernas. De inicio, consegue elevar-se, a seguir agarra-se aos objectos – surgem
os primeiros passos. É um período incrível, no ponto de vista da criança. O seu
Ser assume um significado diferente. Controla o seu corpo, sente-se exuberante,
há um sentido de omnipotência, de grandiosidade – literalmente, “o mundo está a seus pés”.
O sentido de exuberância,
de interesse e grandiosidade é comprovado pelos pais e pela aprovação emocional
que fornecem à criança. É um passo extremamente importante, que precisa de ser reconhecidopelos pais, para o desenvolvimento da auto-estima da criança, pois ela necessita
de um “espelho” que permita reflectir
a sua proficiência. É através dos adultos que as crianças que aprendem a
valorizar o seu potencial.
Todavia, o cérebro da criança
está em permanente desenvolvimento. A partir do primeiro ano e três meses até
aos dois anos e meio, a 3ª Sub- Fase do Desenvolvimento entra em acção - Sub-Fase
chamada a Fase ‘Rapproachement”. No inicio, a criança sente uma necessidade de separação
da mãe. A criança ainda esta “apaixonada” pelos seus dotes de omnipotência,
pelo seu narcisismo recém intitulado - sente-se “dona do mundo” - o mais importante é a gratificação de seus desejos
e necessidades físicas, assim como das suas necessidades psicológicas. Nos estágios
finais da Fase Rapproachment, o mundo da criança transforma-se radicalmente. O
medo e a dor tornam-se numa realidade dolorosa para o sentimento de omnipotência
e gratificação instantânea emocional. É confrontado com a ambivalência. Deseja separar-se
fisicamente da mãe, mas por outro lado, não consegue permanecer seguro sem
estar em contacto com a mãe. A criança adquire a noção da realidade e das suas
próprias limitações. Isto é incrivelmente doloroso para uma criança, pois a
fantasia de omnipotência desfaz-se a seus pés. O mundo agora apresenta-se
diferente – “Querer, mas não poder”. Entre
as mães esta Fase é apelidada de “A Fase Terrível dos 2 anos” (The Terrible Two’s).
A criança parece fazer ‘birras’ por tudo e por nada. A criança tem a vontade de
deslocar-se e adquirir autonomia, mas ao mesmo tempo, não consegue desapegar-se
pois necessita de constante supervisão física (ex. prevenção de acidentes
graves) e do apoio emocional da mãe. A Ferida Narcisista advém do doloroso
sentimento de limitação/impotência. Perante a fantasia da grandiosidade e da omnipotência.
É um período crítico para a criança. Se os progenitores conseguirem definir os
limites sem humilhação, rigidez e punição (ex. ausência de afecto) a criança sente-se valorizada e o narcisismo transforma-se
em auto- estima, criatividade e empatia. A criança faz uma idealização acerca
dos pais através do sentimento de ser amado, amparada e estimada por alguém que
é mais forte (segurança). De uma
maneira ou de outra, a maioria dos adultos prosseguem nas suas vidas à procura
desta imagem idealizada nos seus parceiros.
Regressemos à Fase do
Rapproachment. Se não existe sensibilidade em relação às necessidades
emocionais (ex. humilhação) e do potencial da criança a sua fantasia da omnipotência
permanece activa na “construção”” da auto
estima e de valorização. Continuará a idealizar os seus pais, em detrimento da
própria auto-estima. Para a sua própria sobrevivência, a criança projecta a
perfeição (fantasia) quanto aos seus
pais e ostenta a necessidade que eles sejam uma imagem (ex. Espelho) dessa mesma omnipotência. Neste caso, o narcisismo interfere
no auto conceito (estima) e passa a ser uma necessidade disfuncional (desejo
insaciável em recuperar a sua idealização). Para a compreensão desta Fase
sensível no desenvolvimento da criança é importante salientar que os
progenitores tornam-se ‘self-objects’ – “ferramentas”
utilizadas na procura da gratificação imediata das suas fantasias.
A habilidade da criança
em desenvolver empatia e separar o Ser de outra pessoa fica distorcida. Temas
como a impulsividade e raiva tornam-se frequentes. A luta constante para “escapar” aos sentimentos da Ferida Narcisista
conduz a criança a dissociar-se de certas partes emocionais si própria. O
sentimento é demasiadamente doloroso para ser experimentado. A fantasia
torna-se uma realidade fundamental para fugir à dor como consequência de não se
sentir genuinamente amado. O Ego torna-se grandioso e a avaliação do valor
pessoal e das conquistas da Vida giram em torno da procura (sede) de aprovação “alheia”, ao invés de conseguir apreciar um relacionamento onde
existe respeito-mútuo, empatia e amor.
Por outro lado, quando a criança
não sofre a humilhação derivado às suas limitações e vive num sistema de regras
consistente e realistas (humanas) com tolerância, sente-se valorizada
(potencial).
Neste sentido, é dado mais um passo importante
visando o desenvolvimento psicológico da criança. A SubFase seguinte é
designada de ‘Desenvolvimento Objecto Consistente’ (Development of Object
Constancy). Esta Fase ocorre sensivelmente entre o período compreendido dos 24
aos 36 meses de idade. É identificada especialmente pela aquisição de
competências capazes de identificar as qualidades e os defeitos da mãe. Desenvolve
a capacidade de reconhecer e tolerar a ambivalência no outro. A criança mantém a
imagem internalizada da mãe e sente-se livre ao iniciar uma verdadeira separação
física, mais relevante, e uma maior capacidade psicológica de permanecer “fora da alçada da mãe”, pois adquiriu a noção
(espaço emocional) que a mãe volta. Estas Fases são a “estrada” da independência
emocional, e mais tarde, física.
A criança vive uma ilusão
(fantasia) quando não recebe empatia e o apoio emocional necessário para a regulação
dos limites e auto estima. São estruturas secundárias que permitem à criança
enfrentar o mundo, pois as primarias são precárias. Casos de crianças e adultos
abusados, humilhados, negligenciados e desvalorizados são o que mais se encontra
tanto na psicopatologia infantil, como na adulta. Desde desordens do comportamento
ou hiperactividade nas crianças, às desordens de personalidade e depressão nos
adultos: a traição do amor – o amor traído não faz sentido.
Um dos factores do
narcisismo é a dissociação da capacidade de empatia, dificuldade interpretar e sentir
o outro como pessoa em vez da fantasia de amar a pessoa (para objecto de gratificação).
A grandiosidade - “sede insaciável” - em
alimentar a falta de auto estima e a procura constante de objectos de auto gratificação
imediata, são estruturas secundárias formadas para a sobrevivência emocional da
alma, mas por outro lado, são como véus (Vidros
Escuros) entre o ego e a alma.
Nos casos de intimidade
entre adultos, estes procuram alguém que consiga apaziguar o sentimento de dor,
consciente do ‘Amor Traído’. Obviamente,
até certo ponto essa é a função dos casais (relacionamentos de compromisso e
intimidade) para manter e promover a auto estima. A diferença da criança
autónoma e amada, desenvolve-se na idade adulta, permitindo que esta consiga
ver o ‘outro’ como uma pessoa única, sem recorrer à necessidade constante de
afirmação e aprovação dos outros. Interpreta o sentimento de abandono como algo
doloroso, mas não necessita de recorrer ao outro, como parte de si próprio,
como objecto de gratificação e sobrevivência.
Podemos concluir que em
doses moderadas o narcisismo é saudável. Constitui parte da auto estima do ser
humano, mas quando é uma compensação de forma a “mascarar” os medos (condutas de evitamento) torna-se numa pura solidão.
Toda a criança que “carrega” uma
imagem de conforto, corroborado pelos afectos, pode depender emocionalmente da mãe,
com noção de limites de ambas as partes. Todos os casais que sentem que podem
depender emocionalmente um do outro, aceitando sua privacidade e limitações,
sentem-se livres nas suas relações. Não permanecem “acorrentados” à constante
luta de um espelho das suas fantasias.
Recomendo:
--Margareth Mahler- “The Psychological
Birth of the Human Infant”
--Mario Jacoby- “Individuation and
Narcissism- The Psychology of Self in Jung and Kohut”
--Marion Solomon- “Narcissism and Intimacy”
--S M Jonhson- “Humanizing the Narcissistic
Style”
Tanto no bom como no mau,
boa sorte!
Dr. Miguel Mealha Estrada, PsyD, MBACP
Autsim Spectrum Disorders Specalist Unit,
Sem comentários:
Enviar um comentário