A prevenção das dependências de todo e qualquer tipo de
drogas lícitas, incluindo o álcool, e as ilícitas é um tema transversal na
sociedade actual. Qualquer pessoa, independentemente, do seu estatuto social,
idade, raça, sexo ou religião está vulnerável em relação ao consumo, ao abuso e
à dependência de substâncias psicoactivas do sistema nervoso central.
Apesar da prevenção das dependências ser um tema actual e
preocupante, em particular entre pais, famílias, escolas, professores e jovens,
e na sociedade em geral, todos nós, profissionais e pais lutamos contra o
estigma, a negação e a vergonha associados às drogas reforçado pelo preconceito
e o estereótipo. Muitas vezes, refiro-me a este exemplo, quando abordo o tema
nas escolas e/ou com os pais, são unânimes em reconhecer a vulnerabilidade das
crianças em relação a este problema e a necessidade de programas, mas quando
são convidados a «dar a cara», aparentam optar, conscientemente pelo silêncio
devido ao tabu, preconceito e estereotipo. Creio que um dos motivos deste afastamento
está relacionado com o estigma, a negação e a vergonha sobre as drogas: “Os
meus filhos nunca na vida irão tornar-se uns drogados ou uns bêbados.” A
maioria de nós, pais e famílias, inconscientemente, justificamos este raciocínio;
“Estes problemas dramáticos só acontecem aos outros. Estas tragédias só
acontecem às famílias desestruturadas, disfuncionais e sem recursos económicos.”
Nos dias de hoje, este tipo de justificação negligente do qual nos socorremos
para enterrar a cabeça na areia e considerarmos que a nossa família não é
desestruturada ou disfuncional, como as outras afectadas pela dependência, pode
revelar-se a médio e a longo prazo, um erro grave, porque na realidade e para
sermos verdadeiramente honestos, sentimo-nos impotentes, porque não possuirmos
um plano ou uma estratégia concreta sobre esta matéria.
Há vinte anos atrás, no final dos anos 80, início dos anos 90,
o jovem que desejasse consumir drogas ilícitas revelava-se uma tarefa difícil
obtê-las, hoje em dia, qualquer criança ou adolescente, através da internet, na
sua casa e junto aos seus pais, pode ter acesso a qualquer tipo de drogas. A
procura supera a oferta de drogas, existem drogas para todo o tipo de
preferências e tendências. No contexto
profissional, conheço inúmeros adultos, afirmam, as primeiras experiências com
drogas, enquanto crianças e adolescentes, foram com medicamentos dos seus
familiares
Alguns dados interessantes
Segundo o relatório das comissões de protecção de menores os
processos instaurados em 2013 (30.344) aumentaram comparativamente a 2012
(29.149). Aumentaram também os processos reabertos, num total de 7402 e são o
dobro das crianças abandonadas. Apesar de até aqui o escalão com maior
representatividade, fosse o dos 0 aos 5 anos, em 2013, o escalão com maior
representatividade foi o dos 15 aos 18 anos. A exposição a comportamentos, por
parte dos adultos, que podem comprometer o desenvolvimento da criança: a
violência domestica (agregado familiar), a negligência familiar, a falta de
cuidados de saúde, falta de apoio psicoafectivo, a indiferença, os maus tratos
físicos.
Após constatarmos estes factos, encontramos motivos,
suficientemente fortes para os pais ponderarem sobre a prevenção das
dependências desde o berço da criança, ao invés de ser na pré adolescência,
nessa altura, pode ser tarde demais. A prevenção das dependências é um projecto
da família.
A prevenção das dependências deve ser um projecto delineado 1.
Pais 2. Escola e 3. Sociedade.
O papel da família é
importante na prevenção das dependências desde o nascimento da criança. Antes
de a criança nascer, a família é um sistema complexo de personalidades e
dinâmicas, individuais e colectiva, refiro-me aos papéis, às regras, às funções
e convicções que regem a estrutura familiar no seu todo. A personalidade da
família revê-se nos padrões e nas espectativas, nos sentimentos, pensamentos,
nas suas crenças e tradições. O nascimento de uma criança vem modificar este
sistema.
Se um membro da
família tem um problema ou doença, esta situação dramática não afecta somente o
individuo (doente), pelo contrário, todas as pessoas são afectadas, incluindo
as crianças. Refiro-me a todo o tipo de adversidade, desde as doenças,
acidentes, crise, desemprego, divórcio, adultos dependentes de drogas e/ou álcool,
e/ou desilusões e fracassos oriundos dos projectos individuais, profissionais e
económicos dos adultos. Nesse sentido, é durante a fase da socialização que
surgem os desafios mais complexos na educação da criança, visto nenhuma família
estar a salvo da adversidade. Como adultos sabemos, pelos motivos mais
evidentes e dolorosos ao longo do devir, que a vida é difícil. Agora, como é
que integramos esta questão existencial no plano de educação do(s) nosso(s)
filho(s)? Como é que o(s) preparamos para enfrentar a adversidade?
Uma das respostas, residem no meu entender, com as nossas
características individuais e sociais, como pais e indivíduos. Ao longo da
vida, geramos aquilo que consideramos merecer e essa atitude também se reflecte
na família; se considerarmos que somos indivíduos resilientes na gestão da
adversidade e dos sentimentos, se considerarmos que somos indivíduos felizes,
se possuirmos um propósito e sentido no rumo da vida, a nossa família, também
irá colher estes frutos que a sustentaram nos momentos difíceis, caso
contrario, se nos considerarmos indivíduos egocentristas e hedonistas, com
baixa auto estima, ressentidos e umas vitimas das pessoas e do mundo, estaremos
a minar nossa família. É imprescindível que sejamos honestos connosco próprios,
a fim de consigamos monitorizar os efeitos e o impacto do nosso comportamento
na família, incluindo das crianças. Se o fizermos estaremos a garantir zelo
pela estrutura (sistema) familiar. Sabia que uma parte muito significativa do
nosso comportamento, para com a família nuclear (esposa/o e filhos), é herdado
dos nossos pais, avós ou outras pessoas significativas? Refiro-me às tradições,
aos valores e convicções e à vinculação. Podemos transportar uma herança familiar dolorosa
de abuso ou negligência que poderá afectar a vinculação com os nossos filhos e
podemos encontrar dificuldades em desempenhar a tarefa de educar e ao mesmo
tempo, ser felizes. A nossa educação parental assenta em modelos que conhecemos
e nos são familiares. Quais são as regras que nos ensinam para educar os nossos
filhos? Ainda recorremos a um método que se resume a experimentar, através da
tentativa e erro, isso significa que não dispomos de informação, assim como,
aquela informação que possuímos pode estar errada.
Por outro lado, sabemos que para se ser uma família feliz,
não é preciso ter tido uma educação fora de serie e/ou um possuir estatuto social elevado,
basta assumir um compromisso honesto, devotado ao amor e dar o melhor possível.
Um pai e uma mãe comprometida com a educação e a família na
prevenção das dependências:
- Dá o exemplo, exerce disciplina (não é ser amigo/a do filho,
ele já tem amigos suficientes, os filhos precisam de um mentor e de um/a coach),
- Negocia e comunica o mais abertamente possível sem tabus,
- Desenvolve a resiliência, ajuda os filhos a fazer a
auto-regulação dos seus sentimentos dolorosos em vez de satisfazer as suas
vontades e os ímpetos da criança porque se sente culpada/o e não consegue dizer
Não,
- Ensina a controlar o comportamentos e reforça valores e
tradições saudáveis,
- Reforça a auto conceito e a auto estima, não me refiro ao
culto do ego ou da imagem.
- Promove uma vinculação com base no encorajamento, no amparo,
na pertença e na aceitação (amor).
Já referi esta afirmação várias vezes, na prevenção das
dependências é urgente uma revolução no sistema e no paradigma actual, nos
políticos, nos líderes, nas instituições, famílias e profissionais que zelem e
se comprometam pelo futuro dos nossos filhos, porque o mundo dos adultos não é
seguro para algumas crianças vulneráveis. Se conseguirmos educar os nossos
filhos, se conseguirmos que eles possuam as competências e o talento necessário
a fim de usufruírem uma vida plena, teremos conseguido com sucesso a nossa
missão, aquela que considero ser a mais altruísta e abnegada de todas, ser pai
ou mãe.
Se não formos nós, pais e família, a abordar o tema da
prevenção das dependências e do consumo de drogas lícitas, e/ou ilícitas,
outras pessoas, que não amam os nossos filhos como nós próprios, vão faze-lo.