Jornal de Noticias, de 18/8/2012
O Jornal de Notícias, na sua edição de 18 de Agosto, 2012,
convidou sete personalidades para a participarem num painel sobre três questões
relacionadas com a saúde em Portugal, todavia, vou somente selecionar a
primeira porque é aquela que está diretamente relacionada com o tema da
Prevenção das Dependências:
“Sociedade: Painel/ Tomar o pulso ao país” - Portugal é o
terceiro maior consumidor de álcool da OCDE. Que consequências?”
“Saúde: Portugal no
pódio do consumo do álcool. Apesar dos números revelarem uma ligeira queda face
aos últimos anos, Portugal mantém-se no pódio dos maiores consumidores de
álcool do Mundo – 12,2 gramas per capita,
a apenas uma décima de grama da França e empatado com a Áustria (números da
OCDE). E há ainda a agravante de as estatísticas não incluírem o vinho
produzido para consumo próprio. Sermos produtores de muitos e bons vinhos não
justifica tudo. Sociavelmente, o álcool continua a ser um passaporte para um
estilo “descontraído” e recebe um consentimento benevolente dentro das famílias
e instituições. O crescimento das bebedeiras selvagens (botellón) aos fins-de-semana, entre os jovens mostram como as
coisas estão a piorar ainda mais. Questão: Quem paga a factura? Quais são as consequências
físicas e sociais? Eis uma chaga que nenhum Governo consegue sarar.” Jornal de
Noticias.
Portugal é o terceiro maior consumidor de
álcool da OCDE. Que consequências?
- António Ferreira - Presidente do Conselho de Administração do Hospital de S. João. Resposta: “A) Desagregação e violência familiar; B) Exclusão social; C) Agravamento do estado de saúde e desqualificação da população, diminuição da produtividade, etc”
- Isabel Vaz - Presidente da Comissão Executiva da Espirito Santo Saúde. Resposta: “É um problema de saúde pública muito relevante pelas consequências sociais, da despesa e por ser um factor de risco de doenças cardiovasculares e hepáticas.”
- Manuel Antunes - Cirurgião Cardiotorácico e Professor da Universidade de Coimbra. Resposta: “Infelizmente, o consumo excessivo de álcool é bem tolerado, até aceite, no nosso país. O impacto na saúde, praticamente em todos os órgãos, é devastador, também com consequências económicas e sociais muito grandes.”
- Maurício Barbosa - Bastonário da Ordem os Farmacêuticos. Resposta: “ É muito preocupante, mais ainda a triste incidência em jovens de menor de idade. As consequências são péssimas para os próprios, as famílias e a sociedade. Os inevitáveis problemas de saúde refletem-se em menor qualidade de vida e em menor produtividade e conduzem inexoravelmente a mais despesa em cuidados de saúde. Os índices elevados de acidentes de trabalho, de viação, etc., e de violência também se correlacionam com o alcoolismo.
- Nuno Sousa - Diretor do Curso de Medicina da Universidade do Minho. Resposta: “Nefasta para a saúde. Claramente a carecer de uma campanha de educação.”
- Paulo Mendo - Antigo Ministro da Saúde. Resposta: É um grave problema de saúde pública, responsável por milhares de casos de doenças crónicas de cura difícil e tratamento muito caro. Pior (ou melhor), a cultura milenar do nosso povo aceita e tolera esta praga!”
- Purificação Tavares -CEO da CGC Genetics. Resposta: “Os hábitos de população e os estilos de vida favorecem este consumo, pelo que deveria haver preocupação e contenção com a publicidade a bebidas alcoólicas, assim como colocar esta tónica no sistema educativo.”
Comentário: O álcool
(etílico) é uma droga, depressora do sistema nervoso central, e é das substâncias
psicoactivas, geradoras de dependência, mais consumidas no mundo, com a
agravante de ser a mais perigosa. O álcool afecta a forma como o individuo
pensa, sente e age.
De acordo com vários estudos, efetuados nos EUA, se os
problemas com o álcool persistirem o
individuo alcoólico poderá morrer 15
anos mais cedo do que a idade media de morte da população em geral. As principais
causas de morte são ataque cardíaco, cancro, acidentes e suicídio, embora também
possa detetar doenças do fígado; cirrose.
Outra serie de estudos, efetuados nos EUA e na Escandinavia, estabeleceram a importância de
fatores genéticos na génese do alcoolismo e demonstraram que os filhos de pais
biológicos alcoólicos, que deles foram separados quando crianças, cresceram com
pais adoptivos, e sem qualquer conhecimento dos pais biológicos, apresentaram
taxas muito elevadas de alcoolismo.
Outros estudos revelam que entre filhos de pais alcoólicos,
um baixo nível de sensibilidade ao álcool resultou num risco de 60% de
alcoolismo 10 anos mais tarde, enquanto a elevada sensibilidade ao álcool
resultou apenas num risco de apenas 15%. A reação a doses moderadas de álcool possa
dificultar aos filhos de alcoólicos o recurso às suas próprias sensações,
depois de beberem, para decidirem o momento em que devem parar de beber. Estes
estudos servem para sublinhar as possíveis componentes genéticas e biológicas do
alcoolismo. Os dados recentes mais fiáveis indicam que o alcoolismo é uma
perturbação geneticamente influenciada com uma taxa de hereditariedade,
semelhante aos diabetes. Isto é, existe a possibilidade de o alcoolismo passar
de geração para geração (pais para filhos)[i]
Todos nós sabemos que o abuso do álcool e do alcoolismo é um
problema de saúde gravíssimo, mas dado à sua complexidade (epidemiologia e da etiologia,
e os efeitos sociais) vivemos uma cultura de negação associado às consequências
e aos efeitos trágicos do abuso do álcool, do alcoolismo no individuo, na família,
incluindo as crianças, e os custos para o estado. Li algures que existem um
milhão de bebedores problemáticos e 800.000 indivíduos alcoólicos, se juntarmos
a estes dados, as suas famílias, incluindo as crianças, mais os jovens
adolescentes que recorrem um binge
drinking (abusar do álcool cujo intuito é a intoxicação/embriaguez), as
despesas de saúde e as despesas para o estado, os acidentes e o suicídio, mesmo
assim, apesar das evidências e do agravamento do fenómeno, todos nós, continuamos
a abordar o problema de saúde pública, do abuso do álcool e do alcoolismo, como
se estivéssemos a discutir o problema do vizinho ou como se não tivéssemos nada
a ver com isso, atitude que designo de estigma e negação.
Para se ter uma noção da gravidade do problema, creio ser comum
encontrar na maioria das famílias portuguesas, um caso de um individuo (membro
da família, por exemplo; avô, pai, primo, tia, avó, mãe, irmã ou irmão) que
tenha sido afetado pelos problemas associados ao álcool, no passado ou no
presente; de realçar que o alcoolismo pode passar de geração em geração.
De acordo com os estudos científicos, na maioria dos países civilizados,
incluindo a Organização Mundial de Saúde é urgente investir com compromisso na
educação, na prevenção junto das populações e no tratamento do abuso e do
alcoolismo, todavia, os interesses económicos e os lobbies acabam por ditar as regras, em detrimento da saúde das
pessoas, incluindo as crianças, com o consentimento dos decisores políticos. Por
outro lado, observo há vários anos, nos meios de comunicação social, de acordo
com os sucessivos governos, promessas onde os políticos afirmam que a lei da
venda e consumo do álcool vai ser alterada, mas mantém-se inalterável; somos o
único país da EU a permitir a venda e o consumo de bebidas alcoólicas a menores
de idade. Aparentemente, existe um certo laxismo e desinteresse na investigação
jornalística, na legislação, na politica sobre este assunto complexo e trágico
que afeta milhares de portugueses, incluindo as crianças, e passo a citar o
jornalista do JN “Eis uma chaga que nenhum Governo consegue sarar “. Pergunto;
se é considerado uma “chaga”, porquê teimamos em negar a tragedia humana e os
custos económicos e sociais? Na minha opinião, a dita “chaga” nunca será
eliminada, pelos decisores políticos, visto haver outros interesses mais importantes
que os direitos humanos e o direito à saúde, incluindo as crianças.
À data deste post ainda
somos um país que permite e promove o consumo e o abuso de bebidas alcoólicas a
jovens menores de idade, estando assim a contribuir e para o agravamento para o
problema de saúde pública.
Esta questão é um dos motivos pela qual justifico a existência
e a minha dedicação a este blogue – Prevenção das
Dependências.
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